segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Nova Reforma Protestante

Estamos prestes a completar 500 anos da reforma protestante, o que deve ser comemorado. Todavia, se olharmos para o chamado cenário protestante/evangélico vemos que não há tanto a ser comemorado. Tudo o que diversos homens de Deus batalharam para mudar, a fim de que nos voltássemos para as Escrituras, tem sido deixado de lado.
Muitos que se intitulam protestantes/evangélicos não leem a Bíblia que, hoje, está traduzida para a língua deles e muitos que a leem, não se preocupam com a interpretação. O argumento para tal é que a reforma trouxe a livre interpretação, desconhecendo, portanto, que o que se buscou na reforma foi o livre exame, ou seja, a possibilidade de pesquisar, estudar um texto sem estar restrito a interpretação dada por determinado líder/igreja, e não livre interpretação. Um segundo argumento, de outro grupo, é que fazer teologia é bobagem, esfria o crente, etc. Só que estes não sabem que em qualquer leitura que façam e procurem aprender com o texto, estão fazendo teologia, de modo informal, mas estão.
John MacArthur em seu livro "Como estudar a Bíblia"* diz que existem pessoas que leem a Bíblia e não a interpretam, pulando direto para a aplicação sem se importar em descobrir o que ela quer dizer. Uma leitura rasa, sem análise, nos levará a uma interpretação errônea por colocarmos nossas pressuposições no texto, levando-o a dizer o que nunca disse.
Outra bobagem que já ouvi dizerem é "não sou evangélico/protestante, sou cristão". Sim, o termo evangélico está demasiadamente desgastado no cenário nacional graças aos políticos que se dizem evangélicos/pastores e estão metidos em corrupção e/ou posições (teológicas, filosóficas, sociais, etc) contrárias aos ensinamentos bíblicos. Todavia, a fala de quem diz esta frase mostra o desconhecimento pleno do que foi a reforma protestante e sua relevância. O ser evangélico significa um retorno às Escrituras, deixar de lado toda e qualquer autoridade humana e tê-la como fundamento último de fé. Significa, também, crer na salvação apenas pela fé, sendo as obras mera comprovação da salvação.
Aproveito para ressaltar que o legado da reforma não se limita apenas ao âmbito religioso. Literatura, arte e política foram muito influenciadas. Diversos direitos que hoje temos tem sua origem na reforma. Franklin Ferreira em seu Workshop na Conferência Fiel de Pastores e Líderes 2017** abordou estes assuntos.
Quantos são chamados para participarem de estudos bíblicos, de EBD (apesar de em algumas quase não ter conteúdo transmitido) para aprofundarem seu conhecimento, mas preferem ir à igreja apenas num culto de "louvorzão"; no culto em que o pastor x, que é muito engraçado, vai pregar; num culto em que o pastor y vai pregar pois ele nunca fala nada contra mim, apenas afaga meu ego e meu coração...
Ler a Bíblia e alegar que ela é nossa fonte de autoridade não basta, precisamos lê-la interpretando-a como um todo e não tirar um entendimento de um texto que contrarie outro, como muitos fazem. O Rev. Heber Campos abordou magistralmente este assunto em seu workshop na Conferência Fiel de Pastores e Líderes 2017***. Apenas em uma interpretação adequada, levando em consideração questões culturais, sociais, etc do texto, podemos enxergar a unidade do texto bíblico, de forma a percebermos sua inspiração divina.
Infelizmente a Bíblia tem sido deixada de lado há bastante tempo, não sendo coisa nova. Steven Lawson no livro "O Foco Evangélico de Charles Spurgeon" nos mostra que já no tempo de Spurgeon as igrejas trocavam devoção por entretenimento, púlpitos por palcos, evangelho por auto-ajuda. “Perto do final de seu ministério, Spurgeon viu igrejas recorrendo a meios carnais para atrair as multidões ao evangelismo. O púlpito foi substituído por um palco e o sermão por entretenimento. Com tal infiltração mundana, a verdade bíblica estava diluída e havia severa perda de poder na pregação evangelística. Sentindo urgência, Spurgeon declarou: "Por todo lado, existe apatia. Ninguém se importa se aquilo que está sendo pregado é verdadeiro ou falso. Um sermão é um sermão, qualquer que seja o assunto - desde que, quanto mais curto, melhor". Mas Spurgeon recusou fazer concessões ou transigir. Permaneceu consumido por uma única paixão pela verdade bíblica.”****
Paul Washer em seu livreto "O Verdadeiro Evangelho" nos fala sobre o evangelho que tem sido pregado em muitas igrejas. Boas novas não tão boas, pois, segundo elas, não somos tão pecadores assim. Boas novas não tão boas, pois, segundo elas, nosso pecado não é uma ofensa infinita contra a santidade de Deus. Boas novas não tão boas, pois, segundo elas, Deus não está irado pelas ofensas cometidas contra si, mas é um pai bonachão que ri da criança que esbofeta seu rosto sem um pingo de autoridade para corrigi-la. Com tudo isso, as boas novas deles é que não precisamos de Deus, mas que podemos utilizá-lo como algo que está a nossa disposição para ser usado enquanto for proveitoso e depois descartá-lo.
Infelizmente muitas dessas coisa nos desanimam, entristecem e, até, nos deixam irados. Graças a Deus que tem levantado alguns grande pregadores que têm pregado a palavra de Deus, sem se preocupar se alguém sairá ofendido por ter sido chamado de pecador, desgraçado (desprovido de graça), miserável, etc.
A reforma protestante, em termos religiosos, basicamente, veio lembrar dos 5 solas: Sola Scriptura, Sola Gratia, Sola Fide, Solus Christus, Soli Deo Gloria. Eles nos fazem relembrar que a única regra de fé é a Escritura (Sola Scriptura), que a salvação é somente pela graça de Deus e não pelas obras (Sola Gratia) e esta salvação vem pela fé (Sola Fide), apenas por meio de Cristo (Solus Christus) e que toda a glória deve ser dada apenas a Deus (Soli Deo Gloria).
Tendo em vista que tudo isto tem sido esquecido pelas igrejas, creio que precisamos de uma nova reforma, como afirma Renato Vargens em seu livro Reforma Agora. Precisamos de um retorno às Escrituras. Somente isto é capaz de fazer os palcos de "stand up comedy gospel" voltarem a ser púlpitos, as piadas e longas cantorias (com letras que não exaltam a Deus, mas ao homem) voltarem a ser pregação expositiva, que toque nas feridas e exponham as vergonhas dos ouvintes (e do pregador), transformando a euforia em lágrimas de pesar pelo pecado, as camisetas "sou cristão" e coisas do tipo voltarem a ser uma vida nitidamente transformada por Deus, de forma a pregar o evangelho com suas atitudes.
Que Deus tenha piedade de nós e nos abra os olhos, que levante um novo Lutero nesta geração caída que "se aproxima de Deus, e com a sua boca, e com os seus lábios o honra, mas o seu coração se afasta para longe dele e o seu temor para com ele consiste só em mandamentos de homens, em que foi instruído"(Isaías 29:13).


*        John MacArthur. Como Estudar a Bíblia. Editora Thomas Nelson.
** Workshop: O Impacto da Reforma nas Artes, Educação, Literatura e Política <https://www.youtube.com/watch?v=1JCa9H2cJak>
***    Workshop: Tota Scriptura e a perspicuidade da Bíblia
****  Steven Lawson. O Foco Evangélico de Charles Spurgeon. Editora Fiel.

Bibliografia recomendada:

- Franklin Ferreira. Pilares da fé. Editora Vida Nova.
- Kevin J. Vanhoozer. Autoridade bíblica pós-reforma. Editora Vida Nova.
- Michael Horton. Evangélicos, católicos e os obstáculos à unidade. Editora Vida Nova.
- Michael Reeves, Tim Chester. Por que a Reforma ainda é importante? Editora Fiel.
- Paul Washer. O Verdadeiro Evangelho. Editora Fiel.
- Renato Vargens. Reforma Agora: O antídoto para a confusão evangélica no Brasil. Editora Fiel.
- R. C. Sproul e Stephen Nichols. O legado de Lutero. Editora Fiel